Por: Sérgio de Almeida Rodrigues & Roberto M. Shimizu
Uma praia arenosa comumente evoca a imagem de um deserto, uma vez que suas areias parecem destituídas de vida. As chamadas praias bravas, ou de tombo, podem realmente fazer juz a esta imagem, pois o forte embate das ondas constantemente movimenta grandes quantidades de areia, modificando o perfil da praia e impedindo que muitas espécies aí se estabeleçam.
Por outro lado, as praias mansas ou duras, com seu declive muito suave, que permite realizar longos percursos mar adentro sem perder o pé, abrigam uma fauna abundante e variada. Esta comunidade passa desapercebida da maioria das pessoas devido ao fato de seus componentes encontrarem-se tipicamente ocultos na areia ou expostos ao ar apenas durante os períodos de baixamar. Representantes da maioria dos grupos de animais marinhos podem aí ser encontrados, porém as plantas macroscópicas estão praticamente ausentes, sendo os vegetais representados apenas por diversas categorias de algas microscópicas.
Para a observação ou o estudo deste ecossistema é necessário um mínimo de conhecimento dos fenômenos que regem a subida e descida das águas, ou seja, as marés.
As águas que compõe os oceanos estão sujeitas à atração gravitacional do sol e da lua. Embora seja muito menor que o sol, a lua, por se encontrar mais próxima da terra, exerce uma influência maior sobre a massa líquida, determinando o regime básico das marés: marés vivas ou de sizígia nas fases de lua cheia e lua nova, quando a atração lunar soma-se ao máximo à solar, produzindo grandes oscilações do nível da água; e marés mortas ou de quadratura, nos quartos crescentes e minguante, quando, devido ao não alinhamento do sol, terra e lua, os efeitos da atração são atenuados e, portanto, o fluxo e refluxo das águas.
Estas diferenças periódicas de amplitude entre as marés determinam nas praias três faixas distintas: uma superior, constantemente umedecida por borrifos, mas apenas coberta pelo mar por ocasião de marés altas excepcionais, ressacas ou tempestades; uma faixa mediana sempre coberta e descoberta pelas marés duas vezes por dia; e uma faixa inferior, quase sempre submersa, eventualmente exposta durante as marés baixas de sizígia, ou seja, nas fases de lua nova e lua cheia.
Nestas três faixas, os organismos marinhos distribuem-se em função principalmente de sua capacidade de evitar a exposição ao ar e, consequentemente, a perda de água por evaporação.
Assim, na faixa superior, encontramos espécies melhor adaptadas á vida terrestre do que à aquática. Da fauna marinha, apenas o grauçá e as pulgas da praia desenvolveram estas adaptações, mas vários insetos, como por exemplo a tesourinha, e alguns aracnídeos, vindos do continente, aventuram-se nesta faixa, às custas de tolerar a influência da água salgada. A faixa mediana, menos exposta, é povoada por um maior número de espécies - principalmente crustáceos, poliquetos e moluscos - todas de origem marinha, apresentando particularidades morfológicas ou comportamentais para impedir a perda de água durante a baixamar. A faixa inferior é habitada por formas quase sem adaptações para a vida fora d'água, tanto que algumas, como por exemplo a Renilla, podem até morrer quando ocorrem marés excepcionalmente baixas e de longa duração, principalmente durante dias de calor intenso.
Além dos organismos residentes, isto é, aqueles que permanecem durante toda sua fase adulta no sedimento, as praias arenosas recebem visitantes ocasionais, tais como gaivotas e maçaricos, que exploram a areia em busca de alimento.
Resta ainda mencionar a presença de componentes de outras comunidades marinhas que são trazidos à praia pelos ventos, ondas ou correntes. Destes, merece destaque a caravela, pela sua capacidade de produzir queimaduras perigosas que podem até requerer cuidados médicos.